segunda-feira, 27 de maio de 2019

Sobre o Esforço na Prática do Zazen

"Às vezes, dou palestras bastante sérias. Coloco ênfase nas práticas difíceis, duras: ' Não aguarde o próximo momento!', 'Não se mexa!'. Sinto muito, mas eu tenho de dizer essas coisas, porque sua prática me parece tão fraca, e quero que vocês se fortaleçam. Na verdade, tudo bem se sua prática não for tão boa assim, mas se você não for severo consigo mesmo, e se perder a confiança, o zazen não poderá ser o zazen. Não funcionará. O que torna sua prática cada vez mais profunda é o esforço diário de ficar sentado."

  Trecho do livro 'Nem Sempre É Assim', de Shunryu Suzuki

terça-feira, 21 de maio de 2019

O Justo

Não é por fazer juízos arbitrários que um homem se torna justo; um homem sábio é aquele que investiga tanto o certo como o errado. Aquele que não julgar os outros de forma arbitrária, mas que faça juízo imparcial de acordo com a verdade, esse homem sagaz é um guardião da lei e é chamado de justo.
 Ninguém é sábio por falar muito. Aquele que é pacífico, amigável e sem medo é chamado de sábio.
Um homem não é versado no Dhamma por falar muito. Aquele que, depois de ouvir um pouco de Dhamma, realiza diretamente a sua verdade sem se esquecer desta, é na verdade versado no Dhamma.
 Um monge não é Sénior pelos seus cabelos grisalhos. Esse só é maduro na idade, e então envelheceu em vão.
 Aquele no qual existe veracidade, virtude, contenção e autodomínio, que é inofensivo, livre de impurezas e sábio - esse é realmente chamado Sênior.
 Não é por mera eloquência nem por beleza de forma que um homem se realiza, se ele for ciumento, egoísta e traiçoeiro.  Mas aquele no qual estes defeitos são totalmente destruídos, desenraizados e extintos, e que deitou fora o ódio – esse sábio é verdadeiramente realizado.
Não é pela cabeça rapada que um homem indisciplinado e mentiroso se faz um monge. Como pode aquele que está cheio de desejo e ganância ser um monge?
 Aquele que subjuga totalmente os males tanto pequenos como grandes é chamado de monge, porque ele superou todos os males.
Ele não é um monge só porque vive de esmola. Não é por adotar exteriormente um hábito que alguém se torna um verdadeiro monge.
 Quem quer que aqui (no Ensinamento) viva uma vida santa, transcendendo tanto mérito como demérito, caminhando com compreensão neste mundo – esse é verdadeiramente chamado de monge.
 Não é por observar o silêncio que alguém se torna sábio, se for tolo e ignorante. Contudo, o sábio é quem, com uma balança na sua mão aceita somente o bem.
 O sábio ao rejeitar o mal, é verdadeiramente um sábio,uma vez que compreende ambos os mundos (presente e futuro), é chamado de sábio.
 Aquele que fere os seres vivos não é nobre. É chamado de nobre porque é inofensivo para os seres vivos.
Não é pelas regras e rituais, nem mesmo por muito aprender, nem por se alcançar estados de absorção, nem por uma vida de reclusão, nem por pensar “Eu desfruto da felicidade da
renúncia que não é vivida pelos mundanos” que vocês, monges, ficarão contentes, mas só quando a destruição total das impurezas ( Arahant) for atingida. 
 Trecho do livro Dhammapada, de Buddharakkhita

segunda-feira, 13 de maio de 2019

O Cerne do Zen, pelo mestre Shunryu Suzuki



"Na postura zazen, nosso corpo e nossa mente têm o grande poder de aceitar as coisas como elas são, sejam agradáveis ou desagradáveis."
Consta em nossas escrituras (Samyuktagama Sutra, v. 33) que existem quatro tipos de cavalos: os excelentes, os bons, os fracos e os maus. O melhor cavalo corre tanto devagar quanto velozmente, para a direita e para a esquerda, atendendo à vontade do cavaleiro, antes mesmo de enxergar a sombra do chicote; o segundo corre tão bem quanto o primeiro, antes mesmo que o chicote atinja sua pele; o terceiro corre quando sente a dor do chicote em seu corpo; o quarto só corre quando a dor já penetrou até a medula de seus ossos. Imagine como é difícil, para este último, aprender a correr!
Ao escutar esta história, quase todos queremos ser o melhor cavalo. Se for impossível, queremos pelo menos ser o segundo. Eu acho que, em geral, esse é o entendimento que temos da história e do Zen. Você poderá pensar que, sentando em zazen, descobrirá se é um dos melhores ou um dos piores. Isso, porém, é um entendimento errôneo do Zen. Se você pensa que o objetivo da prática Zen é treiná-lo para se tornar um dos melhores cavalos, terá um grande problema. Não é este o entendimento correto.
Se praticar Zen de maneira certa, não importará se você for o melhor ou o pior cavalo. Se você considerar a compaixão de Buda, como acha que ele se sentiria em relação aos quatro tipos de cavalo? Ele teria mais simpatia pelo pior do que pelo melhor.
Quando você estiver determinado a praticar zazen com a mente grande de Buda, perceberá que o pior cavalo é o mais valioso. É nas próprias imperfeições que você encontra as bases para sua mente resoluta que busca o caminho. Aqueles que se sentam com perfeição física, geralmente levam mais tempo para alcançar o caminho verdadeiro do Zen, o sentimento real do Zen, o cerne do Zen. Mas aqueles que têm grandes dificuldades encontrarão nele mais sentido. Por isso, penso às vezes que o melhor cavalo pode ser o pior, e o pior, o melhor.
Se você estudar caligrafia, poderá verificar que aqueles que não são muito talentosos, por via de regra, acabam sendo os melhores calígrafos. Os que são muito hábeis com as mãos geralmente deparam com grandes dificuldades depois de terem atingido certo estágio. Isto é verdade para as artes e para o Zen.
E na vida também. Portanto, quando falamos de Zen não podemos afirmar "ele é bom" ou "ele é mau", no sentido comum dessas palavras. A postura assumida no zazen não é a mesma para cada um de nós. Para alguns, pode ser impossível cruzar as pernas em lótus completo. Mas, mesmo sem conseguir adotar a postura de forma correta, quando você desperta sua verdadeira mente buscadora do caminho, então pode praticar o Zen no seu sentido genuíno. De fato, despertar a verdadeira mente buscadora do caminho é mais fácil para aqueles que têm dificuldade em sentar-se do que para os que podem sentar-se facilmente.
Quando refletimos sobre o que estamos fazendo na vida diária, sempre nos envergonhamos de nós mesmos. Um dos meus estudantes uma vez me escreveu dizendo: "Você me mandou um calendário e estou tentando seguir as boas máximas que aparecem em cada página. Mas o ano começou há pouco e eu já falhei".
O mestre Dogen disse: "Shoshaku jushaku". Shaku geralmente significa "erro" ou "engano". Shoshaku jushaku significa "suceder um erro ao outro", ou seja, um engano contínuo.
Segundo Dogen, um engano contínuo também pode ser Zen. A vida de um mestre Zen, poder-se-ia dizer, é feita de muitos anos de shoshaku jushaku. Isso quer dizer muitos anos de esforço decidido.
Nós dizemos: "Um bom pai não é um bom pai". Você entende? Aquele que pensa que é um bom pai não o é; aquele que se acha um bom marido não o é. Aquele que pensa ser um dos piores maridos pode ser um bom marido, se estiver sempre tentando ser um bom marido com um esforço sincero. Se você está achando impossível sentar-se por causa de alguma dor ou de alguma dificuldade física, ainda assim deveria continuar usando uma almofada grossa ou uma cadeira. Mesmo que você seja o pior cavalo, você chegará ao cerne do Zen.
Suponha que seu filho esteja sofrendo de uma doença incurável. Você não sabe o que fazer, mas mesmo assim não fica deitado na cama. Normalmente, a cama seria o lugar mais confortável para você ficar. Mas agora, por causa da sua aflição mental, você não consegue descansar. Você pode andar para baixo e para cima, entrar e sair, que não adianta. Na verdade, o melhor meio de atenuar seu sofrimento mental é sentar-se em zazen, mesmo estando em tamanha aflição e em postura incorreta. Se você não passou pela experiência de sentar-se em uma situação difícil como essa, você não é um praticante Zen. Nenhuma outra atividade irá apaziguar seu sofrimento. Qualquer outra atitude resultará inquietante, e você não terá poder para aceitar as suas dificuldades; mas na postura zazen, que você adquiriu através de longa e dura prática, sua mente e corpo têm o poder de aceitar as coisas como elas são, sejam elas agradáveis ou desagradáveis.
Quando você se sente contrariado, o melhor que tem a fazer é sentar-se. Não há outro jeito de você aceitar seu problema e trabalhar sobre ele. Se você é o melhor ou o pior cavalo, se sua postura é boa ou má, não vem ao caso. Todos podem praticar zazen e, dessa forma, trabalhar seus problemas e aceitá-los.
Quando você se senta no meio de seu problema o que é mais real para você? O seu problema ou você mesmo? A consciência de que você existe aqui e agora é o fato supremo. Isso é o que você vai perceber com a prática do zazen.
Na continuidade de sua prática, sob a sucessão de situações agradáveis ou desagradáveis, você realizará o cerne do Zen e adquirirá sua força verdadeira.

Trecho do livro Mente Zen, Mente de Principiante, do mestre Shunryu Suzuki




quarta-feira, 8 de maio de 2019

Sobre o Controle da Mente

“Se praticantes Zen tiverem, em primeiro lugar, a prudência de controlarem suas mentes, tanto mais fácil ser-lhes-á deixar a si mesmos, e ao mundo renunciar. Mas isto não é nada fácil. Monges há, que por exemplo, cientes da reputação pública não farão coisas ruins, dizendo: “Como isto está errado, é possível que outros nos julguem mal.” Procuram então fazer o bem ao serem observados, crendo piamente que todos os demais lhes admirarão muito com isto. Contudo, estas são meramente opiniões comuns e mundanas. Existe, contudo, o outro lado da moeda, como aqueles que se comportam como bem entendem, e estes são vilões de verdade! O fato é que monges devem praticar o buddhismo pelo buddhismo, esquecidos de seus corpos de apego e impermanentes. Devem lidar com as situações de acordo com o momento. Principiantes no Caminho devem abster-se de fazer o mal e fazer o bem, quer seja por vontade própria ou por moralidade. A isto se chama deixar cair corpo e mente.”
 
Meu mestre disse:
“Eisai, meu mestre já falecido, enquanto morava no monastério de Kennin-ji, uma vez se deparou com uma situação inusitada, quando lá apareceu uma pessoa passando fome, e lhe pediu dinheiro: “Estou passando necessidades, e eu e minha família nada comemos nestes dias recentes. Todos vamos morrer de inanição. Podes fazer algo por nós?”
“Naquele momento nada havia no monastério que pudesse ser dado ao pobre, fosse comida ou dinheiro. Mestre Eisai pensou numa solução debalde. Finalmente lhe ocorreu que haviam algumas folhas de cobre batido que seriam utilizadas para fazer uma estátua buddhista. Ele as tomou, dobrou numa pilha, e as deu ao esfomeado, dizendo: “Venda isto e trate de comer.” O pobre, muito agradecido, as pegou e foi embora.
“Então os discípulos do Mestre Eisai ficaram aborrecidos com ele: “Como pudeste entregar este material caríssimo, que era para fazer a auréola de um santo buddhista50, para um mendigo desta forma? Não terás cometido com isto o pecado de usar de forma particular a propriedade de um monastério buddhista? Que achas a respeito?”
O mestre respondeu: “Todos tendes razão! Mas falando da vontade de Buddha, ele foi sempre bondoso bastante para doar tudo que era seu para todas as criaturas, e quando nada mais tinha, cortava de sua própria carne, mãos e pés. Mesmo que eu tivesse entregue o corpo todo do Buddha para alguém passando fome na minha frente, isto estaria de acordo com a vontade de Buddha. Mesmo que eu caísse no inferno com esta ação, teria com isto salvo todos os seres da fome. Que praticantes Zen tratem de avaliar esta maravilhosa perspectiva deste veterano Mestre iluminado, e que não a esqueçam jamais!” 

Trecho do livro Shobogenzo Zuimonki

quinta-feira, 2 de maio de 2019

A Raiva


“ Uma pessoa devia abandonar a raiva, renunciar ao orgulho, e superar todas as limitações. O sofrimento nunca atinge aquele que é desapegado, que nem se prende à mente nem ao corpo.
Aquele que trava a crescente raiva como um cocheiro trava a carruagem em movimento, a esse eu chamo um verdadeiro cocheiro. Os outros meramente seguram as rédeas.
Supera a raiva com a serenidade; supera a maldade com a bondade;
Supera a avareza com a generosidade; supera a mentira com a verdade.
Fala a verdade; não te rendas à ira; quando te pedem, dá mesmo que tenhas pouco. Por estes três meios se pode chegar à presença dos deuses.
Aqueles sábios inofensivos e sempre com domínio no corpo, vão para a Realidade Imortal, onde, depois de chegados, não se afligem mais.
...
Que um homem vigie o seu corpo; que seja comedido em ação.
Que abandone a má conduta, e exerça atos bons.
Que um homem vigie a sua fala; que seja contido a falar.
Que abandone a má conduta verbal, e fale corretamente.
Que um homem vigie a sua mente; que controle o seu pensamento.
Que abandone a má conduta da mente, e pense corretamente.
Os sábios têm domínio na ação corporal, no falar e no pensamento.
Eles dominam-se verdadeiramente bem. ”
 Do livro: Dhammapada, de Buddharakkhita