terça-feira, 19 de novembro de 2019

Zen e Empolgação

Meu mestre morreu quanto eu tinha trinta e um anos. Embora eu quisesse me dedicar inteiramente à prática do Zen no mosteiro Eiheiji, tive que sucedê-lo em seu templo. Com isso fiquei muito ocupado e, tão jovem ainda, deparei com muitas dificuldades. Essas dificuldades me deram alguma experiência, mas ela não significava nada comparada ao autêntico, calmo e sereno modo de viver. E necessário seguir a via constante. O Zen não é uma espécie de empolgação, e sim concentração em nossa rotina diária.
Se você ficar demasiado ocupado e agitado, sua mente se tornará grosseira e instável. Isso não é bom. Se possível, procure ser calmo, alegre, evitando agitações. Por via de regra, tornamo-nos cada vez mais ocupados, dia após dia, ano após ano, especialmente em nosso mundo moderno. Se depois de muito tempo retornamos a lugares que nos eram familiares, ficamos espantados com as mudanças. Isso é inevitável. Mas, se nos interessarmos demais por situações excitantes ou mesmo por nossa própria mudança, ficaremos envolvidos em nossa vida atribulada e nos perderemos. No entanto, se sua mente está calma e firme, você pode se resguardar do mundo barulhento, mesmo no meio dele. Apesar do barulho e das mudanças, sua mente conservará a quietude e estabilidade.
Zen não é uma coisa pela qual devemos nos empolgar. Algumas pessoas começam a praticar Zen apenas por curiosidade e com isso só conseguem ficar mais ocupadas ainda. É ridículo sua prática fazer com que você se torne pior. Eu acho que tentar praticar zazen uma vez por semana já o tornará suficientemente ocupado. Não fiquem demasiado interessados no Zen. Quando os jovens se entusiasmam com o Zen, acabam desistindo de seus estudos para irem a alguma montanha ou floresta a fim de praticar zazen. Esse tipo de interesse não é o verdadeiro interesse. Basta continuar a prática de maneira calma e regular e seu caráter irá sendo construído.
Se sua mente estiver sempre ocupada, não terá tempo para essa construção e o esforço será estéril, sobretudo quando se empenhar nisso com demasiado afinco. Construir um caráter é como fazer pão - é necessário misturar os ingredientes pouco a pouco, passo a passo, e requer uma temperatura moderada. Você se conhece e sabe qual a temperatura que lhe é necessária. Sabe muito bem do que precisa. Mas se ficar muito empolgado, acabará esquecendo a temperatura que lhe é adequada e perderá seu próprio caminho. Isso é muito perigoso.
O Buda fez a mesma observação a respeito do bom boiadeiro. Ele sabe qual o peso que o boi aguenta e evita sobrecarregá-lo. Você conhece seu caminho e o estado de sua mente.  Não se sobrecarregue.
O Buda também disse que construir um caráter é como construir uma represa. Deve-se ter muito cuidado ao erguer o muro de contenção. Se for feito precipitadamente, a água vazará. Levante o muro com cautela e terá uma boa barragem para sua água. Nossa maneira de praticar sem empolgação pode parecer um tanto negativa. Mas não é. Trata-se de uma forma sábia e efetiva de trabalhar sobre nós mesmos. É muito simples. Considero esta questão difícil de as pessoas compreenderem, especialmente as mais jovens. Por outro lado, pode parecer que estou falando de realização gradual. Tampouco é isso. Na verdade, este é o caminho imediato, pois, quando sua prática é calma e regular, a própria vida diária é iluminação.
Capítulo do livro Mente Zen, Mente de Principiante - Shunryu Suzuki, ed. Palas Athena

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